28 de janeiro de 2010

Homenagem

É preciso amor pra poder pulsar...

(*) Nadir Alves

Recentemente, um amigo citava uma canção, que dizia que “cada um de nós compõe a sua história” e que “um dia a gente chega e no outro vai embora”.  Palavras sensatas, Almir Sater.
E, por mais que isso nos desagrade ou nos deixe triste, parece-nos mesmo que essa seja a sentença da vida e “a porção que nos cabe” neste vasto mundo de Deus. E, para não sair do campo teológico, façamos lembrança do que profetizou Salomão, em Eclesiastes, de que tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu e que todas as coisas que deus fez, são boas a seu tempo.
E, entre todos os tempos citados por Salomão, há dois deles estão implícitos e são nossos cúmplices de caminhada: o tempo de chegar e o tempo de partir.
E, parece-nos que o sabor da vida está justamente nesses dois movimentos e no que realizamos entre os dois. Tanto a chegada quanto a partida nos oferecem ganhos e perdas, alegrias e tristezas, certezas e incertezas.
O escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, do Pequeno Príncipe, pontuou há dois séculos uma frase que já caiu no senso comum, mas que traz uma verdade tão sólida quanto o diamante: de que nos tornamos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos.
E para melhor ilustrar esse axioma, ele nos falou das rosas. A princípio, com exceção das cores, todas essas flores seriam iguais. Amarelas, vermelhas, brancas. Afinal, não há como morrer um pouco por aquilo que não conhecemos, cativamos e amamos. Impossível.
Mas, se cada um de nós tem uma rosa, não importa o tamanho dela, a cor, a espécie, a raridade... É ela quem será a especial e a mais bonita, entre todas as outras.
A nossa rosa é a mais importante de todas, pois foi a ela que reguei. Foi a ela que pus a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento. Foi dela que eu matei as larvas. Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.
Hoje, padre Genivaldo Ubinge, estamos tentando ativar o dom de ser feliz, que há em nós, mesmo que “a nossa rosa” esteja sendo colhida de nosso jardim, pois chegou o tempo de partir.
Se não tivesse sido a nossa rosa, se não tivesse nos cativado ou se não o tivéssemos cativado, amado, hoje seria um tempo comum. Sim, com certeza é preciso amor pra poder pulsar...
Se assim não tivesse sido, as trocas teriam sido ressequidas, sem chuva, sem flor, sem paz, sem sorriso.
E aqui está a evidente sabedoria que Deus confiou a Salomão, quando ele pronunciou que tudo seria considerado bom a seu tempo.
Hoje talvez, não compreendamos o motivo da partida e porque nos faltará a rosa Ubinge, em nosso jardim. Ainda assim, olhando para trás, vimos que essa rosa já chegou aqui desabrochada e a muitos cativou, com seu testemunho, com sua perspicácia, com sua ironia, com a sua criticidade, com seu amor, com seu desprendimento, e, sem dúvida, com a sua misericórdia e fidelidade!
De uns se fez mais próximos, pelo trabalho, pela afinidade, pelas circunstâncias. De outros fica a admiração e talvez dos demais, apenas um padre que por aqui aportou por um tempo.
Dos próximos e companheiros, dessa jornada, fica o padre que ama poesia, que tem um apreço especial pelo poeta Tagore, que uma tigela muito representa quando falamos de amigos e vida. Afinal, partilhamos desse utensílio no alimento, no trabalho, na amizade, no amor, no carinho, na dúvida, na orientação, e ninguém mais o é estranho.
Hoje o tempo ainda não é o da partida, porém é tempo de agradecer, de louvar e de recordar. 

Recordar o diácono que chegou, em fevereiro de 2007, cheio de projetos, de que necessitaríamos de, pelo menos, uns trinta anos para juntos desenvolvermos. Pois, os operários são poucos. No entanto, os grãos foram fincados em terra fértil. Acredite.
Assim que chegou, foi trabalhar com a comunicação, como vigário de nossas duas paróquias, em Água Boa e em mais inúmeras frentes, integrando a família dos sacerdotes católicos de Paiçandu. Um exército de peso. Três padres e um cônego. Um sonho para qualquer cidade.
No dia 29 de junho de 2007, era ordenado padre, na Paróquia Nossa Senhora de Lourdes e São Judas Tadeu, em Maringá. E as assembléias da Santo Cura d’Ars e Jesus Bom Pastor já o consideravam como fruto vocacional de nossa cidade. Fomos todos abraçá-lo, naquela noite de bênção do Senhor Javé. Mesmo diante do episcopado, a quem deve obediência, citou ensinamentos de Buda, com muita personalidade.
De lá para cá, mesmo sem perceber, fez uma opção. Moldou um perfil e passou a ser visto como um padre da ala social. Nem comunista, nem marxista. Apenas um ser humano voltado, de fato, para os pobres, pelos oprimidos, pelos excluídos. A mesma opção deixada por Cristo. Aliás, essa deveria ser a opção de nossa Igreja, não é?

Romaria do Trabalhador, Romaria da Terra, ato público para defender os homens do campo que são assassinados e a grande imprensa não mostra. Aras. Curso Direito à Cidade, com o Observatório das Metrópoles, da Universidade Estadual Maringá (UEM), capacitando nossos fiéis, aqui em nosso município. Sonhos de tendas ecumênicas itinerantes nas escolas para falar de Deus e não de religiões. Retiros com os profissionais da educação. Nosso projeto do cinema, com certeza ainda está por vir e vai colorir as telas de nossa cidade.
Antes mesmo da realização da Assembléia Arquidiocesana, onde uma das prioridades eleitas foi a juventude, o padre Ubinge aqui já se preocupava e começava, um ano antes, o projeto ACAMPARA (e outros).
Fazer buracos, dormir em barracas ou não dormir. Não ter lugar para tomar banho... E mais uns mil obstáculos. Sem contar que teve que praticamente financiar boa parte de tudo o que ali foi empregado. Precisou até lavar barraca, coisa que uns amigos próximos não fizeram.  Quantas lutas, quantos desafios para que a ação frutificasse.
Sonhos espalhados.
Pastoral afro germinando. Visita à África, fortalecendo, talvez, o futuro sacerdote das missões.
Muitas alegrias. Ter a mãe próxima. Algumas tristezas. Uma mais forte: a perda do irmão.
Um desafio: assumir uma paróquia por apenas seis meses. Que pena que, dom Anuar não tenha dado prosseguimento ao projeto inicial, pois precisamos sim de muitos padres andando, rondando, peregrinando por essas bandas de cá. Embora saibamos que ele, como pastor, sabe olhar todas as ovelhas do Reino.
Daqui a pouco vai estar em Guajará-mirim, local aonde outros sacerdotes já foram e deram sua contribuição. Com certeza será um tempo de edificar. 
No final de 2006, não sabíamos quem seria o diácono que estava para chegar, aqui em Paiçandu. Em janeiro daquele ano, uma matéria nos dava conta de uma biografia e de uma foto. Então, como estava gravado no bolo no dia de sua chegada, “bendito o que vem em nome do Senhor”.
Realmente muito bendito.      
Então, olhando para trás, vimos que nesses quase três anos, o senhor viveu conosco vários tempos: o tempo de construir, o tempo de plantar, o tempo de rir, o tempo de se alegrar, o tempo de curar, o tempo de abraçar, o tempo de amar, o tempo de falar... E daqui a pouco, o tempo de partir.
Quando estiver peregrinando pelo Reino, sem apegos, pois essa deve ser a missão dos sacerdotes de Cristo, mesmo numa vaga lembrança, descansando a cabeça, vai se lembrar que, aqui em Paiçandu, viveu o tempo de paz e que é esse o desejo de todas as comunidades da Jesus Bom Pastor e Santo Cura d’Ars: em que época for, que o seu corpo, alma e espírito estejam no tempo da paz.
Afinal, amigo...
Todo mundo ama um dia.
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Muito obrigada e que Deus o acompanhe. Sempre, misericórdia e fidelidade!


Nadir Alves, autora do artigo e padre Genivaldo Ubinge

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